A educação básica de adultos começou a delimitar seu lugar na história da educação no Brasil a partir da década de 30, quando finalmente começa a se consolidar um sistema público de educação elementar no país. Neste período, a sociedade brasileira passava por grandes transformações, associadas ao processo de industrialização e concentração populacional em centros urbanos. A oferta de ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente, acolhendo setores sociaiscada vez mais diversos. A ampliação da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal, que traçava diretrizes educacionais para todo o país, determinando as responsabilidades dos estados e municípios. Tal movimento incluiu também esforços articulados nacionalmente de extensão do ensino elementar aos adultos, especialmente nos anos 40. Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país vivia a efervescência política da redemocratização. A Segunda Guerra Mundial recém terminara e a ONU — Organização das Nações Unidas — alertava para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia.Tudo isso contribuiu para que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas populacionais de imigração recente e também incrementar a produção. Nesse período, a educação de adultos define sua identidade tomando a forma de uma campanha nacional de massa, a Campanha de Educação de Adultos, lançada em 1947. Pretendia-se, numa primeira etapa, uma ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. Depois, seguiria uma etapa de “ação em profundidade”, voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. Nos primeiros anos, sob a direção do professor Lourenço Filho, a campanha conseguiu resultados significativos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas regiões do país.
Num curto período de tempo, foram criadas várias escolas supletivas, mobilizando esforços das diversas esferas administrativas, de profissionais e voluntários. O clima de entusiasmo começou a diminuir na década de 50; iniciativas voltadas à ação comunitária em zonas rurais não tiveram o mesmo sucesso e a campanha se extinguiu antes do final da década. Ainda assim, sobreviveu a rede de ensino supletivo por meio dela implantada, assumida pelos estados e municípios.
A instauração da Campanha de Educação de Adultos deu lugar também à conformação de um campo teórico-pedagógico orientado para a discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nesse momento, o analfabetismo era concebido como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país. Essa concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal, identificado psicológica e socialmente com a criança. Uma professora encarregada de formar os educadores da Campanha, num trabalho intitulado Fundamentos e metodologia do ensino supletivo, usava as seguintes palavras para descrever o adulto analfabeto:
"Dependente do contacto face a face para enriquecimento de sua experiência social, ele tem que, por força, sentir-se uma criança grande, irresponsável e ridícula [...]. E, se tem as responsabilidades do adulto, manter uma família e uma profissão, ele o fará em plano deficiente. [...] .
O analfabeto, onde se encontre, será um problema de definição social quanto aos valores: aquilo que vale para ele é sem mais valia para os outros e se torna pueril para os que dominam o mundo das letras.
[...] inadequadamente preparado para as atividades convenientes à vida adulta, [...] ele tem que ser posto à margem como elemento sem significação nos empreendimentos comuns. Adulto-criança, como as crianças ele tem que viver num mundo de egocentrismo que não lhe permite ocupar os planos em que as decisões comuns tem que ser tomadas.
Durante a própria campanha, essa visão modificou-se; foram adensando-se as vozes dos que superavam esse preconceito, reconhecendo o adulto analfabeto como ser produtivo, capaz de raciocinar e resolver seus problemas. Para tanto contribuíram também teorias mais modernas da psicologia, que desmentiam postulados anteriores de que a capacidade de aprendizagem dos adultos seria menor do que a das crianças. Já em artigo de 1945, Lourenço Filho argumentara neste sentido, lançando mão de estudos de psicologia experimental realizados nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30.
A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de um método de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiraram a iniciativa do Ministério da Educação de produzir pela primeira vez, por ocasião da Campanha de 47, material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos.
O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, estes sim o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas para formar outras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens de moral e civismo.
Fonte: Educação de jovens e adultos: proposta curricular para o 1º segmento do ensino fundamental / Vera Maria Masagão Ribeiro (coordenação e texto final); [ilustrações de Fernandes]. — São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997- vários autores.
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