terça-feira, 12 de junho de 2007

Hip Hop No Sertão?

Claudia da Penha Moreira Aguiar
3º ano de Pedagogia - Turma 1

Edição Nº 153 Junho/Julho 2002
Índice

A produção de artistas regionais é um excelente caminho para apresentar a arte universal
Marcos Vita,de Macururé (BA)

Edson Ruiz
Sabe aquela feira de artesanato no caminho para a escola? Ou o violeiro que toca músicas características da região? Ou, ainda, os costumes e tradições bem peculiares do lugar em que você vive? Eles têm muito a ensinar. Ao estimular os alunos a conhecer as manifestações de arte popular que gravitam ao redor da escola, você estará abrindo uma janela para a cultura universal. "Mais do que desenvolver a sensibilidade, alfabetizamos a criança para compreender a produção do mundo inteiro", afirma a arte-educadora Ana Amália Barbosa, professora convidada da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. "Assim, ele percebe que quem trabalha perto de casa tem valor — tanto quanto Tarsila do Amaral ou Auguste Renoir, pois eles beberam na fonte popular."
Arte
Objetivo: Alfabetizar para a arte partindo do conhecimento da própria cultura. Fortalecer a cidadania compreendendo o contexto em que se vive, formar senso crítico e acumular bagagem cultural
Como chegar lá: Pesquise temas populares ligados à realidade da turma. Relacione as artes regionais com a cultura erudita do país e esta com os padrões mundiais. Faça oficinas de desenho e pintura relacionadas à temática popular. Envolva a garotada em todas as etapas do trabalho
Dica: Leve artistas populares para dentro da sala de aula e visite feiras de artesanato com os alunos. Depois de explicar o significado de determinada técnica, faça uma enquete para saber que trabalhos eles gostariam de produzir
É fácil desenvolver esse trabalho. O primeiro passo é identificar a origem dos alunos para definir os temas. Você pode fazer isso pedindo, por exemplo, que eles tragam um objeto de estimação — deles ou da família. "Conversando sobre o porquê da importância daquele objeto, o professor pode fazer um retrospecto das raízes culturais e traçar um plano de ação", afirma Valquíria Prates, coordenadora do Núcleo Contemplarte, que busca uma nova abordagem para a produção latino-americana. Ela sugere envolver produção, leitura de imagem e contextualização não só histórica, mas social e psicológica da obra.
Num trabalho com descendentes de estrangeiros (italianos, africanos, japoneses, árabes, alemães…) você pode pedir um levantamento de artistas nascidos nos países dos antepassados dos alunos. Depois, uma pesquisa sobre os descendentes desses povos que vieram para o Brasil. Aos poucos, todos percebem como a arte se transforma, mesclando as tradições originais com novas (locais), até se recriar como uma manifestação popular.
Grafite, argila e ossosEm tempos de globalização, uma atividade desse tipo se torna ainda mais importante. Agir localmente com pensamento global é um dos motes que você deve ter em mente. Exatamente como faz a equipe do programa Universidade Solidária (Unisol) no Raso da Catarina, uma das regiões mais pobres e secas do sertão nordestino. O grupo adaptou o grafite — manifestação urbana surgida nos Estados Unidos na década de 1960 e que conquistou os jovens da periferia das grandes cidades brasileiras — ao universo cultural e ao imaginário do sertanejo. Uniu global a local na cidade de Macururé, a 469 quilômetros de Salvador.
O muro da Escola Municipal Navarro de Brito, em Macururé, e os estudantes em ação (abaixo): grafite com motivos sertanejos no coração do semi-árido
No muro da Escola Municipal Navarro de Brito, 20 crianças de 7 a 17 anos grafitaram o cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião; a matança da cabra, comum nas feiras livres da região; a carcaça do boi morto pela seca e o próprio homem do sertão. No alto, a frase "Sertanejo, ser tão forte" contextualiza o desenho. Sobre a carcaça pregada no muro, uma palavra muito presente na realidade: fome. "Ao mesmo tempo em que valorizamos a cultura local, buscamos desenvolver a subjetividade da criança, o que vai ajudar na sua formação como cidadão", afirma Zélia Fajardini, coordenadora do Unisol em Macururé. "Assim, ela compreende a si mesma e ao outro, começa a respeitar as diferenças."
Antes de chegar ao grafite, os alunos passaram por uma série de técnicas. Durante três semanas, envolveram-se em oficinas de desenho, pintura em acrílico e elaboração de esculturas utilizando ossos de animais, além da produção de máscaras e objetos feitos com argila obtida nos açudes da região. Tudo com temática sertaneja. As esculturas, amarradas com arames, representaram a cabra, o calango e o guaiamu — espécie de caranguejo do Nordeste.
O artista plástico Denis Sena ensina as crianças a montar esculturas com ossos de animais mortos pela seca (à esq.) e, em outro momento do trabalho, o grupo reproduz nas telas a realidade do mundo em que vive (ao lado): produção, leitura da imagem e contextualização da obra
A turma aprendeu a história do grafite e do movimento hip-hop. Percebeu também a importância de luz e sombra na composição dos desenhos. As aulas foram dadas pelo artista plástico Denis Sena, 25 anos, autor do livro Graffiti nas Escolas. "O grafite pode entrar em qualquer sala de aula como recurso didático. No caso do sertão, o toque agreste e o universo cultural próprio fazem da arte um instrumento de resgate e conservação das manifestações folclóricas do povo", afirma Sena. Giéliton Carlos Santos Silva, 12 anos, sentiu a criatividade pulsar por meio da pintura. Transpôs para a tela em acrílico o luar do sertão. No meio da escuridão, além das estrelas e da lua, o único objeto que ele incluiu foi o xique-xique, espécie de cactácea comum na caatinga. "Pintei e dei forma ao que vejo da minha janela", resume o garoto.
Do arranha-céu à caatinga
O ensino da arte popular tem várias relações com as outras disciplinas. Em Geografia, é possível trabalhar conceitos como cidade, Estado, país e mundo. Em História, o contexto em que surgem a arte e seus movimentos. Em Língua Portuguesa, a compreensão e a criação de letras de músicas típicas. E em Ciências Naturais, o estudo de obras que retratem o corpo humano.
Na hora de aplicar uma atividade sobre o tema em sua escola, pesquise as manifestações populares com que a turma mais se identifica. O bumba-meu-boi, por exemplo, é um bom ponto de partida no Maranhão. A influência européia, a indumentária do gaúcho e o chimarrão são temas que se aplicam ao Rio Grande do Sul. Na Região Norte, a natureza e as lendas indígenas oferecem farto material.
Já a obra do artista Siron Franco é uma grande referência para quem está no Centro-Oeste.
Ana Amália Barbosa, tel. (0_ _11) 3813-5285, e-mail: aatbb@hotmail.com
Denis Sena, tel. (0_ _71) 384-5223, e-mail: denissena@bol.com.br
Valquíria Prates, tel. (0_ _11) 6978-6893, e-mail: valquiriaprates@hotmail.com
Zélia Fajardini, tel. (0_ _71) 286-5151, e-mail: fajardini@uol.com.br
Bibliografia
A Imagem no Ensino da Arte, Ana Mae Barbosa, 152 págs., Ed. Perspectiva, tel. (0_ _11) 3885-8388, 25 reais
Grafitti nas Escolas, Denis Sena, 27 págs., Ed. Uneb, tel. (0_ _71) 387-5040, doações institucionais


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